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Do milho branco ao acaçá: o tempo das experiências em nossas vidas



Imagine o milho branco. Aquele milho branco oferecido para Oxalá. O percurso difícil por ele sofrido até virar acaçá: comida valiosa como oferenda para todos os Orixás e indispensável em diversos ebós e rituais sagrados. O milho branco tão duro. Não vai pro fogo e estoura em explosão rápida como o milho de pipoca. Seu tempo é outro. O milho branco até virar acaçá segue o tempo de Oxalá. Lembra do Orixá funfun no terreiro? Passos lentos, pesados e vigorosos. A cadência desacelerada não diminuiu a sua maestria. Tempo do tempo de saber.
O milho branco, no processo tradicional para transforma-se em acaçá, passa por sacrifícios. Fica de molho durante três dias. Afogado em água para poder amolecer. Depois vai para o pilão. Ali recebe varias batidas e os grãos vão se desmanchando nas pancadas. Eles não sabem porque apanham. Nem ainda podem ter consciência do que irá vir a ser. As batidas lhe doeem e ele se fragmenta. Fica todo partido. Pouco a pouco transforma-se numa pasta. Sem função, sem forma, sem gosto.
Quando acha que tudo está bem e calmo o pior acontece. Jogam-lhe água, metem-lhe em uma panela e levam-lhe ao fogo. Uma colher de pau roda suas partes fragmentadas. Tudo esquenta. Ele tonteia. Aquilo transparente, parte do seu ser, ganha luz e fica branco. Feridas começam a pipocar sobre si graças a temperatura alta e intensa. Só pode ser o fim...
Em dado momento o milho branco percebe-se diferente. Ele já não está fragmentado, nem dolorido. Parte de si recebe uma mão acolhedora e um coberto cheio de energia. A folha de banana lhe envolve e acalma sua turbulência. É um respiro de paz mostrando que o caminho pode ser outro. Tudo se esfria e se acalma. Depois de algum tempo é desenrolado daquela folha com todo cuidado. Já é mais vigoroso. Aquelas belas mãos que lhe enrolou nas folhas de banana agora lhe põe sobre o altar de grandes divindades ancestrais. Aos seus pés todos cantam, rezam e dançam. Ele, depois de tantas porradas pelo caminho, agora reconhece a sua importância para a existência.
Esse milho com vida humana somos nós em metáfora simples. Mas é preciso desvendar a poesia das ações cotidianas dentro do axé para compreendermos o nosso fazer coisas como potências para o nosso pensar e agir nessa existência. Por vezes desejamos passar pelo sofrimento como milho de pipoca. Vai ao fogo, a turbulência acontece e depois da explosão imediata emerge a bela flor. Nem sempre é assim. Há momentos onde o tempo da aprendência no período intempestivo é o tempo dos passos de Oxalá. O tempo de se fazer o acaçá.
O sofrimento é parte da vida. As decepções irão acontecer. Olhar para estes acontecimentos como fontes de experiência é o começo para evitar tropeçar na mesma pedra. É bom quando conseguimos aprender sem tomar porradas da vida. Atentar-se às experiências ao nossos redor e ser crítico a isso pode ser uma bela lição. Entretanto, o pilão pode dar suas batidas em nosso corpo, nos fragmentar e é papel do sábio compreender o momento onde a pasta sem graça irá se juntar para formar o valioso acaçá.
Todos nós nascemos para viver de forma digna. Não devemos nos sujeitar ao sofrimento, ao tormento e as dores. Assim é exercício buscar aprender com o tormento, entender o que ele é, deixar ele ser passageiro e abrir portas possíveis para sermos o acaçá precioso das divindades ancestrais; dignos de desfrutar de momentos de paz, amor, cuidado, ternura e felicidade.
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