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O ego dos sacerdote de Òrìsà


Quando um babalorixá ou yalorixá começa a exigir dos seus discípulos espirituais a contínua necessidade de provar que se é eficiente este inicia o seu processo do afastamento daquela comunidade. O EU maior do que os dos outros é EGO(ismo). Por que o outro tem que me provar algo e eu sou o juiz a julgar a prova? A hierarquia na diáspora e até na própria África contemporânea ganhou tônus bem diferente da filosofia construída pelos nossos ancestrais. Se o Ubuntu se sustenta no eu sou porque nós somos, como pode alguém entre os nossos se achar no direito de julgar ou exigir ações dos outros que respondam as suas expectativas?
Se é dificultoso alguns sacerdotes iniciantes compreenderem a necessidade de formação, por outro há o ego exacerbado (e até ostentado) de alguns sacerdotes experientes. Vejo discursos colocando seu tempo de iniciação como peso para se exigir mais do outro não iniciado ou com menos tempo de obrigação. Fico me questionando quando a iniciação virou régua para demarcar poderes dentro do culto aos Orixás. Tudo está absolutamente turvo. E parafraseando Nietzsche: tem gente turvando as águas para que elas pareçam mais profundas.
No universo espiritual ninguém é melhor do que alguém. Mesmo aqueles que podem estar em outro nível de consciência espiritual não são melhores dos que podem se encontrar na obscuridade. Estes devem, sobretudo, ter maior responsabilidade em bem direcionar os presos na nuvem turva para a consciência profunda. Logo, o sacerdócio não confere mais prestígio, mais exaltação, nem mais vanglória. Confere responsabilidade, compromisso e dedicação ao outro. O que foge desse limiar deve ser questionado, tensionado e refletido.
Já vi sacerdotes e sacerdotisas com 40, 50, 60 anos de iniciados caírem feio com a palavra lançada de um abyan ou iyawó. Vejam, se o poder está na “idade de santo”, por que a palavra lançada bateu e derrubou? Porque o ego fragiliza nossa espiritualidade. Deixamos de cultuar para nos aproximar das potências do universo e começamos a exigir que os outros trabalhem para nos servir, antes mesmo de servirem aos Orixás. Quando o vento sopra no Orí do abyan ou iyawó e o desperta, perde-se o medo do poderio equivocado do babalorixá egoísta e suas palavras tornam-se a cobrança do Tempo pela sua (e dos outros) consciência espiritual perdida.
Boa parte, boa parte mesmo, quase 90% dos sacerdotes de Orixá que existem hoje não deveria o ser. Pelo próprio bem. Orixá é caminho e fim. Não é o "MAS" é o "E". Orixá é vida "e" morte. Por vezes pode parecer que a potência ancestral deixa passar acontecimentos nefastos. Mas não. A lógica do pensamento do universo apenas se engendra diferente da nossa. E o universo cobra a responsabilidade do nosso ego e tudo aquilo que o ego impediu de construir em nós e no outro. Por isso mesmo torno a afirmar: sacerdócio é responsabilidade. Responsabilidade profunda. Para poucos. Visto que o pacto se estabelece com as ancestralidades milenares, que estarão sempre acompanhando esse líder comunitário, e com todos os Orís que estão e estarão em suas mãos. É para se ter medo disso. O bom medo capaz de nos impedir de cometer equívocos na nossa vida e transformar algo de riqueza profunda em estética e conta grossa para o publico ver.
Faço parte do grupo de pensadores Orixaístas e Voduístas que entendem a iniciação como processo denso espiritual onde poucos deveriam passar. Não desejo aprofundar essa questão aqui. Inclusive porque na diáspora iniciação possui entendimentos outros, por vezes descompromissados, pouco responsável e mal compreendido. Se a quantidade de iniciados deveria ser menor, dirás a de sacerdotes e sacerdotisas. Isso traz consequências? Traz! E as consequências nós estamos vendo diariamente com orientadores espirituais que sequer estão bem orientados.
O ego tem feito com que alguns babalorixás queiram ter os seus sonhos sonhados pelos “filhos de santo”. Ele põe na cabeça o desejo de ter um terreiro de tantos metros quadrados, um barracão circular com portas de ouros, dez quartos de visitas e joga esse desejo nas costas de pessoas que não querem ou não compartilham dessa vontade particular. Não obstante, vemos falas como “esse é o desejo do “santo”” ou “o Orixá pediu” como mero instrumento da indução à compra do seu vislumbre privado por toda comunidade. Manipulação similar aos que alguns pastores fundamentalistas e desonestos evangélicos utilizam em suas Igrejas. É importante nos autocriticarmos antes dos outros. Temos bastante a limpar a casa, podemos fazer isso bem e juntos.
Aqui não faço juízo se o templo em palacete é certo ou errado. Tenho, contudo, clareza de que Orixá pode ser cultuado debaixo de uma árvore, numa casa de taipa ou palha. As diversas configurações outras são desejos, vontades e querências do coração do homem. Que o homem então assuma isso, de forma particular, convide, mas não obrigue, exija e requeira os outros a sonhar junto com ele aquilo que não faz mais parte da dimensão espiritual.
Conheço sacerdotes e sacerdotisas incríveis. Fiéis aos princípios éticos, filosóficos, morais e espirituais dos nossos ancestrais e que atualizam aquilo que deve ser atualizado, pois isso também é dignificar os saberes aprendidos. Orientadores e orientadoras espirituais eficientes e plenos em sua missão de sensibilizar seus discípulos a buscar o processo profundo da consciência espiritual. Sacerdotes e sacerdotisas aprendizes, eternos iyawós, capazes de escutar a crítica de um discípulo e dialogar a partir disso. Pessoas incompletas e assim sempre serão. Pois compreendem essa incompletude como a necessidade perene de sempre amadurecer. Mestres e mestras desprendidos da hierarquia infeliz, capenga, diminuidora do outro, negadora do saber, antissocial e bloqueadora da espiritualidade alheia.
O processo de sacerdócio é tenso, denso e pesado, mas também pode ser bonito, resplandecente e gratificante. Se a pessoa com essa missão se liga à espiritualidade e não ao mundo das coisas, certamente terá todo suporte dos ancestrais e não se corromperá no caminho.
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