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O sacerdócio nos cultos aos Òrìsàs - entre a corrupção e o aprofundamento

Imagem: https://en.wikipedia.org/wiki/Yoruba_music

Ao longo dos anos na diáspora e mais contemporâneo em África, a concepção de sacerdócio vem sendo em absoluto distorcida e corrompida.
Ser sacerdote na filosofia òrìsàísta não compreende o mero querer do sujeito. Nasce-se com este caminho. O querer precisa sim emergir, todavia há a vocação advinda de um elo ancestral.
Quando perdemos a concepção de comunidade, afeto, cuidado, responsabilidade e compromisso perdemos em paralelo elementos basilares que sustentam o ser sacerdote.
É preciso refletir sobre estes aspectos, pois a ausência deles acaba por incutir em algumas pessoas o desejo fetichista pelo sacerdócio ou assume-se tal compromisso sem que haja nenhuma compreensão profunda a respeito, a não ser aqueles ligados ao esoterismo, tradicionalismos e fantasias incapazes de dar conta da responsabilidade dos que nasceram para cuidar.
O sacerdote de Òrìsà não é um mago, bruxo ou como diz o teólogo negro afro diásporico Jayro Pereira "um reunidor de elementos mágicos". Desejamos com isso sensibilizar que o ser sacerdote não se resume a fazer ebós, iniciações, confirmações, borís, assentamentos ou rituais litúrgicos. Sobretudo, o sacerdote de Òrìsà deve ser aquele que bem orienta, lida, cuida, dirige e zela por sua comunidade e pelo desenvolvimento da espiritualidade de cada pessoa desta comunidade - entendendo espiritualidade não apenas como o cultuar Òrìsà, mas também o amadurecimento humano, ético e moral ligado ao profundo conhecimento deixado pelos nossos ancestrais.
Distanciar-se das concepções africanas e afro diaspóricas que sustentam o papel do sacerdócio no culto aos Òrìsàs é abrir espaço para que ideologias racistas, intolerantes, eurocêntricas, segregadoras sociais, anti-pobre, capitalistas, LGBTIfóbicas, machistas, desumanas e anti-ancestrais invadam os nossos templos.
É preciso criticar a corrupção sacerdotal. Nem todo babalorixá ou yalorixá ou babalaô/yá Nifa é um sacerdote ou sacerdotisa - na complexidade do termo. Vivemos um momento denso onde basta ter dinheiro que a pessoa consegue o decá, a iniciação como sacerdote de Òrìsà ou título de babalaô. O problema: dinheiro não compra aquilo advém da herança ancestral. Se a pessoa não o tem em seu odú, não há ebó, fundamento ou ritual capaz de conceder. O agravante é que geralmente essas pessoas, por não terem a vocação ancestral, não assumem compromisso com a comunidade e transforma o culto aos Òrìsàs num comércio, destruindo-o, através daquilo que filósofo Zygmunt Bauaman chama de capitalismo parasitário. Hoje, em um mundo de sofisticado racismo, a desvinculação do entendimento político do sacerdócio, é erro grave. Por isso vemos babalorixás brancos praticando sua intolerância racial legitimados pelo tradicionalismo.
Fantasiar um universos místico onde tudo é "autorizado" ou "desautorizado" pelos "Òrìsàs", ou ainda por uma suposta intuição", é negar a produção de conhecimento dos nossos antepassados. Negar todo suor, desgaste e sofrimento posto na elaboração desse sofisticado arcabouço de saberes. Isso também é racismo e colonialismo. Cabe não sermos inocentes e compreendermos tal fantasia como sustentadora da autorização para a corrupção. Quantas vezes o dito Òrìsà autorizou algo pela "necessidade específica" ou apenas para aquele cujo sacerdote tinha algum apreço ou via "potencialidades"?
É preciso que o sacerdote de Òrìsà se aprofunde na filosofia òrìsàísta, conheça sobre a nossa medicina, língua, rituais, a complexidade dos Òrìsàs que cultua, sobre os métodos oraculares ligados aos odus e itans, compreendendo estes como capazes de orientar a si e aos seus discípulos, e não apenas como o revelador de ebós e Òrìsàs dos consulentes. Esse processo demanda tempo. Não se acessa em ato de mágica, mas com estudo, esforço, busca, trabalho e dedicação. Não obstante, em África a formação de um babalaô dura 10 anos ou mais. Logos os saberes não caem do céu, mas são buscados, aprendidos e maturados.
A consciência do verdadeiro papel do sacerdote ou sacerdotisa de Òrìsà é o caminho para sairmos das armadilhas da corrupção do capitalismo esvaziador dos sentidos, filosofias, conhecimentos, afetos e responsabilidades e podermos construir outra noção de sacerdócio pautada naquilo que nossos ancestrais já traziam na sua experiência como importante no protagonismo do todo e não dos desejos egoístas, irresponsáveis e destruidores de alguns sujeitos.
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