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Culto aos Orixás e o distanciamento da generosidade - Uma profecia apocalíptica



O princípio norteador da filosofia Ubuntu é a concepção da existência do eu a partir do reconhecimento deste eu imbricado no nós. Portanto "eu sou porque nós somos". A subjetividade do sujeito é construída na interação deste com a comunidade. Ao participar duma relação afetiva, cultural, simbólica, material e política forma-se o universo subjetivo inter-relacionado com todos os membros desta comunidade. Numa dinâmica eu-nós emerge a intersubjetividade: o eu não é apenas indivíduo. O eu é meu reconhecimento de todos os outros como parte constituinte do que sou.

Em meio ao crescente abandono da referência à filosofia Ubuntu vemos, em ascendência, uma religiosidade individualista, onde o eu é protagonizado em relação ao grupo. A comunidade não é o foco. O centro é o sujeito e sua capacidade de se mostrar ressaltado no grupo. Em contraposição à pensamentos profetizadores do fim do candomblé, por exemplo, acredito que haverá o crescimento desta e outras religiões de matriz africana, entretanto, com perspectivas absolutamente diferentes do que era o culto à ancestralidade quando foi reestruturado no Brasil. 

A comunidade (ou o grupo de pessoas que cultuam Orixás) não deixará de existir. Irá, contudo, se destacar pela construção de novas ficções que legitimem a sua existência. Ela será importante não pelo coletivo, mas pelo sujeito. Cada vez mais o indivíduo, e sua capacidade de se sobressair no grupo, será o foco. Logo, a importância da comunidade se sustentará não por um entendimento da importância das relações interpessoais, mas pelo entendimento de que é preciso um amontoado de pessoas, ocupando um mesmo espaço, para que alguns destes se destaquem e sobressaiam aos demais. 

Paradoxal será o discurso tradicionalista; este fará a legitimação para sustentar a era eu-centrada do culto aos Orixás, Vodus e Mikisse na diáspora. Por um lado, teremos babalorixás tradicionais impondo uniformização dos abians e yaôs; sujeição, silenciamento e rigidez hierárquica - ainda que de modo "afetuoso". Do outro veremos sujeitos com destaque de poderio, roupas carnavalescas, relações imperiais com seus filhos, casas palacianas, disputas por um espaço macro dentro das instituições religiosas para além dos seus terreiros, o conhecimento formal como comparativo para demostrar mais coerência nas suas escolhas e idas a África como fonte de ampliação desse poder e estratégias para justificar decisões que fogem dos acordos estabelecidos pela tradição da intuição (macro) religiosa ao longo da história. 

Os Orixás, Voduns e Mikisse perderão o status de potência ancestral e passarão a ser fantasmas, figuras ilustrativas, referências para construir a estética do espaço. A liturgia será múltipla, enfraquecida e volátil. O sagrado será burlado por qualquer motivo. O culto, a imolação, o transe, a consulta ao oráculo e os processos iniciáticos serão performances sem sentido e aprofundamento espiritual. Tais atos serão espetáculos com reconfigurações para valorizar a estética. Os aspectos internos da religião serão menos importantes do que aquilo que será apresentado ao público. A espiritualidade será espetacular. Com isso, os terreiros deverão se moldar às configurações de galeria ou teatrais. O xirê será higienizado, as danças hipercoreografadas, haverá uma presença potente de câmera filmadora, celulares e transmissões nas redes sociais. Os convidados não serão partícipes de uma cerimônia espiritual, mas espectadores. 

Poucos serão os espaços de culto aos Orixás, Vodus e Mikisse que não se corromperão ao novo modus operandis do capitalismo na contemporaneidade. Estes, provavelmente, formarão cultos independentes buscando estabelecer um compromisso ético, moral, político e filosófico com seus ancestrais e fortalecer valores necessários para sobrevivência de uma comunidade com referências Ubuntu. Não irão reinventar uma África no novo mundo, nem fecharão os olhos para a realidade a qual vivem, mas buscarão na história e no caminho percorrido pelos seus mais velhos, inspiração para construção da comunidade e projeção para pensar o futuro desta comunidade e suas tecnologias.

A generosidade será a virtude elo dos grupos dissidentes. O culto aos Orixás, Vodus e Mikisse se fortalecerá pelo reconhecimento das individualidades, da intersubjetividade, das conexões, da foça do todo e da importância dos ancestrais como constituintes da nossa humanidade. Deste modo não serão cultuadores de deuses, fantasias ou ficções espetaculares que fortalecem o individualismo no grupo. Entenderão cada pessoa da comunidade como manifestação verdadeira do Orixá, Vodu ou Mikisse. Com dignidade, transcendência, poder e responsabilidade de ser cultuado como potência ancestral em sua existência e propagar uma espiritualidade capaz de transformar o humano em um ser cada vez melhor.

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