Iemanjá é vista por
alguns yorubanos como uma mulher preta, robusta e de seios fartos; seios estes
que alimentam a humanidade. Alimento para além de uma necessidade fisiológica;
alimento como necessidade da alma. Iemanjá nos abraça, nos acolhe, nos afaga. Protege-nos
como grande mãe e cuida dos nossos orís. Este acolhimento nos ensina a ter cuidado
conosco e com o outro. É dessa relação de troca, onde não há obrigação, que emerge
a gentileza.
Nos noticiários da TV,
nas postagens nas redes sociais, nas conversas com os amigos nos deparamos com
inúmeras informações desastrosas. Depressão, suicídio, violência. O ser humano
está em colapso? Precisamos entender a existência como modo de contribuir para
evolução da nossa espiritualidade. Não podemos ficar num mero lugar de
constatação das tragédias. Ir contra a turbulência do mundo é uma missão.
Construirmo-nos como
sujeitos integrais buscando amadurecer a nossa relação com o sagrado, cuidar
das nossas emoções e sentimentos, entender a complexidade da nossa
subjetividade, ser ético, pensar em valores morais, orientadores das nossas
condutas, reforçar as virtudes que nos fortalecem e agir com justiça são modos
de fortalecer o Orí – nosso deus individual – e a melhor forma de nos construir
como sujeitos melhores, capazes de lidar com os desequilíbrios da humanidade.
Não dá para devolver
sempre as agressões sofridas diariamente. Precisamos entender as dificuldades
vivenciadas pelo outro. Um esbarrão, uma palavra mal dita, uma ação equivocada
demonstra fragilidades a qual nem sempre temos que responder. O mal dia do
outro hoje, pode ser o nosso mal dia de amanhã.
Nas relações fora do
nosso eixo familiar e de amizades (trabalho, faculdade, academia) costumamos
não aprofundar os nossos afetos. Eis uma estratégia de proteção comum e eficaz. entretanto, a empatia e o reconhecimento da humanidade do outro, mesmo em
relações superficiais ou superficializadas, pode nos fazer evitar conflitos
desnecessários. Nossa energia não deve ser gasta em guerras dispensáveis.
Cuidar das nossas dores,
nossos temores e inseguranças não é algo fácil. Somos uma sociedade voltada
para a construção de sujeitos cada vez mais individualistas. Na contramão deste
pensamento, temos o Candomblé, o Culto Tradicional Yorubá, a umbanda e tantas
outras manifestações religiosas e espiritualistas africanas ou afro-diaspóricas
propondo uma organização familiar, coletivista e de trocas. Cabe a nós, devotos
de Orixás, não deixar o propósito do nosso culto correr para outros caminhos.
Iemanjá, através do seu
imenso mar, nos abraça. Cada mergulho dado em suas águas lava a nossa alma e
resfria nossas cabeças. Olhar o mar, pedir a bênção ao mar, deixar ser
atravessado pela poesia, pela energia e pela purificação que o mar de Iemanjá pode trazer mudanças significativas na lida com a turbulência diária.
A dança de Iemanjá (no
candomblé) é uma dança onde a força da cuidadora se manifesta: fazer mingau
para o filho, gestar uma criança, guerrear pela tribo, abraçar seus queridos...
Iemanjá nos ensina a ser afetuosos. E com o axé de Iemanjá podemos ser melhores
para nós mesmos e para o outro a cada mergulho na noite e ao emergir das águas
de um novo dia.