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Não é culpa do Orixá


Fomos orientados a acreditar, segundo a crença de diversas religiões, na existência de um destino imutável. Que nossa passagem pela terra é predestinada – tudo está escrito – e, por isso, não adianta o caminho, vamos seguir e tropeçaremos nas pedras predestinadas a estarem na nossa estrada.

Se por um lado, ao olhar a nossa trajetória, vemos tantos acontecimentos a nos fazer pensar “era para ter sido dessa forma”, por outro, talvez, perdemos a oportunidade de cogitar como a trajetória poderia resultar em outras configurações de vida se nossas escolhas fossem diferentes.

No candomblé ouço diversas posições atribuindo lugares ocupados pelas pessoas por escolhas ou desejo do Orixá. Mas será que nossa vida é sempre norteada pelo que os orixás desejam? Somos protagonistas da construção do nosso caminho? Existe um destino inevitável e imutável?

Para tradição Iorubá não existe Orixá mais importante do que Orí. O deus individual que faz morada na nossa cabeça. Acredita-se que antes de virmos ao aiê (terra) tomamos decisões que irão nos orientar ao encarnar. Mas longe de serem decisões imutáveis essas são possibilidades de realizações que ao serem cumpridas nos permitirão evoluir espiritualmente e alcançar maiores níveis de maturação, lida com os outros e com a espiritualidade. Os iorubás acreditam que Orí é tão importante que nada pode ser feito sem sua autorização. Nem Olodumare tem o poder de intervir diretamente nas decisões de Orí.

É importante que saibamos que somos escolhidos pelos nossos Orixás; Orixá é caminho, mas o diálogo jamais será absolutamente impositivo. Se não fôssemos protagonistas do nosso futuro teríamos todo direito de dividir o resultado dos possíveis fracassos com nosso Orixá. Antes disso, compreendo que o orixá nos orienta a partir das questões que nos são postas e das decisões que temos que tomar a partir delas. É Orí (o deus-eu) quem mais pode nos ajudar nestas decisões, cabendo, portanto, a nossa responsabilidade, todos os resultados.

Conheço alguns casos de pessoas que acreditam (ou são postas a acreditarem) em determinantes e imposições dos Orixás que se não forem cumpridas irão tornar suas vidas um inferno: a iniciação em certo momento, a permanência em uma casa específica, a mudança de ilê, receber ou não receber um cargo para ser babalorixá ou yalorixá, falar ou não falar, casar ou não casar, ficar ou sair do emprego, fazer ou não fazer... Sigmund Freud dizia que uma das qualidades da evolução do pensamento humano é a capacidade de medirmos as possíveis consequências de nossas ações.

Parar, refletir, meditar, calcular, conversar e rezar para Orí e o Orixá são medidas básicas para boas decisões. Antes de qualquer ação devemos ter consciência de que as nossas escolhas são nossas escolhas. Parece redundante, mas se complexifica se formos pensar que algumas culturas religiosas colocam a culpa das ações e escolhas humanas na espiritualidade, impedindo que a gente entenda e se responsabilize por nossos erros e equívocos e amadureça a partir deles.

 Sobretudo quero desatacar a minha descrença no fato do Orixá poder colocar alguém em lugares de sofrimento, humilhação e contenda para “testar a fé”. Nosso processo de aprendizagem é constante e nossa fé se prova nas ações (ou na falta de ações). O culto aos Orixás, Vodus e Mikisse não deveria, nem deve ser um lugar de dor.

Todos esses pensamentos trazidos até aqui são para que a gente se sensibilize que ainda que existam influências outras, nós somos protagonistas das escolhas tomadas. Erros, acertos, equívocos, falhas, tropeços, superar fracassos, cair, levantar e seguir mais firme e forte, sofrer, desequilibrar, reequilibrar, passar por desenvolvimentos difíceis e tantas outras situações são processos importantes para amadurecermos, dominarmos o nosso destino e sermos pessoas mais plenas e fortes.

Revigorados teremos a certeza de qualquer que seja o resultado de uma decisão a culpa não será do Orixá.



Referência:

Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. Autores: BOCK, Ana Mêrces
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