
A uniformização dos rituais de passagem, chamados na diáspora e em África contemporânea de “iniciação”, é uma prática própria do Candomblé. Nem todos os rituais de passagem precisam ser feitos com “bicho de quatro pés”. Isso porque cada Òrìsà e cada Ori requer processos próprios. Essa uniformização foi uma demanda de circunstâncias da diáspora e não um fundamento imutável legitimador ou deslegitimador do rito.
Para o fortalecimento do elo ancestral com Ogun era utilizado cachorro do mato, algo impraticável na cultura brasileira, adaptado, acertadamente, para o bode. Essa adaptação, por ventura, invalida o fortalecimento do elo ancestral para Ogun ou o ritual precede duma complexidade onde o animal é tão importante quanto os demais elementos e sua substituição ou necessidade depende do conhecimento da comunidade, da consulta oracular e da voz do Òrìsà?
Erendilogun, obi e orobó não servem para nada ou só conta o conhecimento de um determinado lugar: o carimbo da verdade?
Sabemos da argumentação de Bàbá Agenor Miranda, este fora iniciado sem animal e discursava sobre a necessidade, inclusive, de repensarmos a sua utilização desenfreada. Por acaso a sua feitura e de seus cosmologizados não possuem validade? E como fica a legitimidade dada a este que fora o responsável pelo jogo de sucessão do sacerdócio de Ilés Matrizes como o Opo Afonjá, sendo a última escolhida Odé Káyòdé, a Yá Stella de Oxóssi?
“Ninguém possui o todo”, conforme diz o afroteólogo Jayro Pereira, ou seja: nenhuma prática espiritual africana possui todas as informações sobre os rituais de passagens construídos historicamente.
Nos diversos cultos atos foram perdidos e ou modificados. Ainda em África não havia esta amálgama de devoção aos Òrìsàs como existe no Candomblé ou no Culto Tradicional Yorubá, por exemplo. Famílias eram responsável pela propagação do culto a apenas um Òrìsà. Assim sendo, como pode uma única estrutura “religiosa” possuir todos os saberes destes rituais de forma absoluta e completa?
Ao logo do tempo hibridações aconteceram. No Brasil, a Igreja Católica, braço da colonização, serviu como referência para estrutura das práticas espirituais pretas. Em África houve o impacto principalmente do islamismo. Nessa guerra declarada ou fria, estratégias foram desenvolvidas para o povo preto manter seus saberes, mas, sendo sustentados pela oralidade, e ainda sob o dogma do segredo (alguns nunca revelados), muito conhecimento se perdeu.
Pode ser que ao sair duma comunidade ou de um culto para outro haja a necessidade, conforme as práticas daquele espaço, de se fazer mais algum rito. Questiono, contudo, a ideia de refazer todo o processo pela falta do bicho de quatro pés (ou algum outro elemento). Adoxo não é brincadeira e este é um ritual que só se faz uma vez (se o culto inicia para um Orixá apenas).
Obviamente, cada Yalorixá determina as regras do seu Ilé e, ao consultar o oráculo, as orientações somarão ao que ela compreender ser necessário realizar. Mas não deixa de ser uma reflexão pertinente para aquele que fortalecerá maiores conexões com o Òrìsà compreender se deseja de fato refazer todo processo ou não.
Obviamente, cada Yalorixá determina as regras do seu Ilé e, ao consultar o oráculo, as orientações somarão ao que ela compreender ser necessário realizar. Mas não deixa de ser uma reflexão pertinente para aquele que fortalecerá maiores conexões com o Òrìsà compreender se deseja de fato refazer todo processo ou não.
Por isso, ao pensar em iniciação/cosmologização tenha segurança de que estais no lugar certo, com orientações coerentes , respeitando as observações a estes espaço. Aqui são algumas considerações, mas, que se pese também a sua relação com o sacerdote ou sacerdotisa nessa nova comunidade, e sendo você orientada a uma outra iniciação, não creia de imediato que tudo está errado. Apenas saiba que essa é uma possibilidade que tem mais a ver com as ideologias do seu novo Bàbá ou Yá que podem ser acolhidas ou não por ti.
Ouvir seus ancestrais, Ori e Òrìsà pode lhe garantir o conforto ao lidar com as dúvidas. Só quero fazer a ressalva de que, como diz minha Yalorixá: “Òrìsà não se nasce duas vezes”.
Imagem: Pierre Verger.
Imagem: Pierre Verger.